Categoria: Neurodiversidade Infantil / Método Montessori
Introdução
Cada criança é única — e quando falamos de crianças neurodivergentes, como aquelas com TDAH ou TEA, essa verdade se torna ainda mais evidente. Essas crianças possuem ritmos, interesses e formas de perceber o mundo diferentes das neurotípicas, o que exige dos adultos uma escuta mais sensível, um olhar mais empático e ambientes mais preparados.
O método Montessori, com seu foco na autonomia, na observação respeitosa e na adaptação do ambiente ao desenvolvimento da criança, é especialmente eficaz para acolher e apoiar crianças com TDAH e TEA.
Maria Montessori afirmava:
“A primeira tarefa da educação é agitar a vida, mas deixá-la livre para se desenvolver.”
Neste post, vamos explorar os quatro planos do desenvolvimento infantil segundo Montessori, adaptando-os para crianças e adolescentes neurodivergentes — com foco nas suas necessidades emocionais, cognitivas e sensoriais.
1º Plano (0 a 6 anos): A Mente Absorvente
Para crianças com TDAH e TEA
Essa fase é marcada por um intenso aprendizado sensorial, motor e emocional. Para crianças com TDAH ou TEA, esse período pode vir acompanhado de dificuldades na regulação sensorial, na comunicação, na autorregulação e nas transições de rotina.
Necessidades comuns:
- Segurança, previsibilidade e rotina visual
- Reforço positivo para interações sociais
- Redução de estímulos sensoriais em excesso (luz forte, ruído, cheiros intensos)
- Apoio na construção da linguagem verbal e não verbal
- Estímulo à coordenação motora fina e grossa
Como o método Montessori apoia:
- Ambientes organizados e estáveis que reduzem distrações e promovem foco
- Materiais sensoriais que ajudam a integrar estímulos (ex: caixas de texturas, cilindros de som, encaixes)
- Atividades práticas que desenvolvem a independência, como vestir-se, cortar frutas, regar plantas
- Linguagem clara, gestos lentos e repetição suave — respeitando o tempo da criança
- Espaços de calma onde a criança pode se autorregular
Dica prática:
Use rotinas visuais com imagens reais que mostrem a sequência do dia (ex: acordar, escovar os dentes, brincar, lanchar, etc.). Isso ajuda na transição entre atividades e reduz crises de frustração.
2º Plano (6 a 12 anos): A Mente Racional e a Imaginação
Para crianças com TDAH e TEA
Neste período, a criança começa a expandir seu pensamento lógico, busca compreender o mundo e forma laços sociais mais complexos. Para neurodivergentes, os desafios podem envolver impulsividade, dificuldade em seguir regras sociais implícitas, sensibilidade à frustração ou hiperfoco em interesses específicos.
Necessidades comuns:
- Clareza nas regras e nos combinados sociais
- Oportunidades para trabalhar o autocontrole e a empatia
- Apoio para desenvolver amizades de forma segura e estruturada
- Canalizar a energia (física ou intelectual) por meio de projetos significativos
- Alternância entre tarefas curtas e períodos de descanso ou autorregulação
Como o método Montessori apoia:
- Propostas interdisciplinares que permitem à criança aprofundar interesses pessoais
- Materiais autoexplicativos e autocorretivos, que promovem autonomia sem punição
- Trabalhos em grupo com funções definidas, evitando sobrecargas ou conflitos
- Liberdade com responsabilidade: a criança escolhe, mas aprende a lidar com os resultados
- Ênfase no respeito às diferenças e na colaboração, e não na competição
Dica prática:
Permita que a criança escolha entre duas ou três tarefas — isso reduz a sobrecarga cognitiva e dá senso de controle. Se ela tiver hiperfoco em dinossauros, por exemplo, incentive projetos de pesquisa sobre o tema, criando pontes com matemática, história e ciências.
3º Plano (12 a 18 anos): Construção da Identidade
Para adolescentes com TDAH e TEA
A adolescência pode ser desafiadora para qualquer um, mas para jovens neurodivergentes, é também um período de forte vulnerabilidade emocional. Questões como baixa autoestima, isolamento social, ansiedade e resistência a mudanças se tornam mais evidentes.
Necessidades comuns:
- Apoio na construção da autoimagem e da autoestima
- Espaço seguro para se expressar emocionalmente
- Oportunidades reais de independência gradual
- Flexibilidade nos métodos de aprendizagem e avaliação
- Suporte para lidar com frustrações, conflitos sociais e mudanças no corpo
Como o método Montessori apoia:
- Adoção de projetos de vida e experiências práticas: jardinagem, voluntariado, empreendedorismo
- Respeito à individualidade e às diferentes formas de se comunicar e aprender
- Ambientes menos escolarizados e mais ligados à realidade (fazendas, oficinas, estúdios)
- Mentoria individualizada em vez de autoridade hierárquica rígida
- Cultivo da autodeterminação e da reflexão interna
Dica prática:
Crie projetos que tenham impacto real na comunidade, como feiras, hortas urbanas, ações sociais. Isso ajuda o adolescente neurodivergente a se ver como alguém útil, capaz e pertencente.
4º Plano (18 a 24 anos): Vida Adulta Emergente
Para jovens adultos com TDAH e TEA
Esse é o momento da busca por independência total, pela construção de um propósito e por decisões de vida. Muitos jovens com TDAH ou TEA enfrentam dificuldades na organização da rotina, no planejamento futuro e na gestão emocional diante das pressões externas.
Necessidades comuns:
- Apoio contínuo na transição para a vida adulta
- Tempo para amadurecer escolhas profissionais e relacionais
- Treinamento em habilidades práticas de vida: finanças, autocuidado, moradia
- Reconhecimento dos próprios talentos e formas alternativas de sucesso
- Acolhimento em relação às possíveis recaídas ou crises
Como o método Montessori apoia:
- Abordagem baseada na confiança na capacidade do jovem
- Aprendizagem por experiências reais e significativas
- Criação de redes de apoio seguras (grupos, mentores, educadores)
- Formação de habilidades socioemocionais, não apenas acadêmicas
- Desenvolvimento de um plano de vida com autonomia
Dica prática:
Ajude o jovem a montar uma rotina semanal visual com tarefas práticas, horários de descanso, momentos de autocuidado e metas realistas. Ensine técnicas de planejamento visual e simplifique a tomada de decisões.
Conclusão
O método Montessori oferece mais do que uma pedagogia: ele oferece um olhar profundamente respeitoso e confiante sobre o desenvolvimento humano — e isso é especialmente valioso para crianças e adolescentes com TDAH e TEA.
Ao adaptar os princípios montessorianos para o universo neurodivergente, tornamos possível um caminho educativo mais leve, empático e centrado nas forças e potencialidades de cada um. Mais do que “corrigir comportamentos”, Montessori nos convida a criar ambientes que acolham as diferenças e fortaleçam a autonomia.
Se você é mãe, pai, educador ou cuidador, lembre-se: com o ambiente certo e o apoio adequado, toda criança tem a chance de florescer no seu tempo e no seu jeito.